sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Vida e morte.

Das mentiras 
Que contei, 
Pouco sei.
Disse que caminhava
Enquanto na verdade,
Me afundava,
E afogava,
Em lágrimas,
Que me apenas 
Esvaziavam.
Em mais um trago
Me senti ainda mais 
Vago,
Vazio.
Meu âmago,
Um buraco
Existe apenas 
O estrago 
Da vida
Que me tem,
Matado.

Não é um soneto.

Foi o jeito no qual me tratou
Que me matou
Me fazer de um estranho
Me doía tanto 


Agora irei sumir
Vou desaparecer
Não há porque sorrir
Você deve me esquecer

Não desejo saber
Do que tenha a contar
Nada que diga
Irá mudar

O ódio que me corrói
A dor,
Que me destrói

Não tenha esperança
Meu corpo agora avança,
Contra o chão. 


domingo, 4 de outubro de 2015

Matutação

Antes de entrar, me certifiquei que não havia ninguém espreitando no corredor, não havia, certo, adentrei no quarto, e suavemente fechei a porta, não queria chamar a atenção de ninguém, apertei o interruptor, eu sabia onde era, seu modelo de apartamento era muito parecido com o meu, mas nada, estávamos sem luz, eu não aprendo nunca, acendi meu isqueiro e observei a sala, possuía uma velha televisão, e um sofá que algum dia fora de cor magenta, havia alguns quadros de Van Gogh, e um estante em uma modelo antigo,  repleta de livros, principalmente livros históricos, e religiosos, certamente era um homem fervoroso. Eu estava observando minunciosamente os detalhes quando o gato me chamou, ele estava no quarto, segui por um corredor vazio, completamente antiquado, até que encontrei o gato, estava arranhando a portinhola de um criado mudo com uma vela sobre uma xícara, na qual acendi, o quarto estava organizado, apesar de um pouco escuro, não possuía nenhuma decoração, além de um armário com a porta defeituosa que estava entreaberto, e um cama simplória, com lençóis gastados, fui até ao criado mudo, me sentei no chão a sua frente, e abri a portinhola, havia alguns envelopes de cartas com destino ao exterior, onde era o epicentro da guerra, estranhei, me relutei a verificar o conteúdo, retirei os envelopes, e encontrei uma caixa, com certa quantidade de poeira sobre ela, e assim como as cartas possuía o mesmo destinatário, alguém com um nome impronunciável para mim, notei que ela estava aberta, e sem pudor o qualquer censura, abri a caixa instintivamente.
Na caixa possuía uma folha escrita, era uma carta, estava em uma língua estrangeira, na qual eu conhecia apenas alguns verbos e substantivos, suficientes para que eu compreendesse algo sobre do que se tratava, era uma carta de despedida, para seu irmão, foi o que pude compreender da mesma, essa carta não havia sido entregue, mas por quê? Nem essa carta, muito menos todas as outras. Mas algo além disso me chamou a atenção, era um embrulho dentro da caixa, eu estava fervendo de curiosidade, sim, eu sou uma pecadora, sei que não deveria fazer isso, ir mexendo em coisas dos outros, mas eu não podia me segurar, peguei o embrulho, segurei-o, estava embrulhado em papel kraft, já envelhecido, me pergunto a quanto tempo estava embrulhado e guardado, coloquei meu dedos entre as frestas, para retirar a cola, mas fui interrompida pelo gato que começou a andar sobre mim, e se deitou em meu colo, após essa breve interrupção, segui meus movimentos, e o desembrulhei, era um livro, como eu esperava, mas era um livro sagrado, de uma religião abominada por muitos, nesse instante, algumas ideias começaram a se formar em minha mente. Vi  as luzes dos postes de luz se acenderem, e iluminarem o chão através das frestas, e em seguida ouvi o barulho da porta do apartamento ao lado se abrir, eu devia sair logo daquele local, peguei tudo que estava dentro da gaveta, e a guardei na bolsa, o gato se levantou, roçou seu corpo contra minha coxa, e seguiu trotando para fora da quarto e desaparecer, me levantei, apaguei a vela, e segui andando para a saída em passos leves, girei a maçaneta lentamente, olhei para o corredor, estava vazio, fechei a porta cuidadosamente atrás de mim, e atravessei o corredor até a escada, onde subia o ultimo lance até meu andar.
Logo estava em casa, e sentia minha respiração pesada, coloquei minha bolsa sobre a mesa, e fiquei a fitando, e matutando sobre o que havia acontecido.


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O gato

Todos calados, não ousávamos sequer uma troca de olhares, me sentei onde que não tivesse que compartilhar assento com ninguém, assim como todos os outros, nos sentíamos confortáveis assim, me sentia um pouco incomodada pelo silêncio, mas certamente era mais agradável do que se existissem uma falatória. A atmosfera era tensa, o único barulho que podíamos ouvir era da lataria do ônibus se chocando uma contra a outra enquanto o ônibus seguia pelas ruas imperfeitas.
A medida que o ônibus seguia seu rumo, podia se notar o céu cinza, que de tempos em tempos era clareado por um relâmpago, que rasgava o céu, e iluminava todo o horizonte, eventualmente a chuva veio, mas dessa vez, forte, e impiedosa, se atirava com força contra as vidraças dos ônibus, produzia um som ensurdecedor ao se chocar contra tudo o que cobria a crosta terrestre, podia sentir que as pessoas no ônibus estavam tensas, principalmente eu, tinha medo da mesma, medo da fúria da natureza, na qual é a forma mais antiga e sábia de vida, a chuva os deixou apreensivos, então vi um enorme relâmpago cruzar o céu, no formato de veias, e em seguida veio um trovão, estrondoso, fez com que a terra tremesse, e pude ouvir os gritos de sustos, meus nervos e músculos se contraíram, meu coração bombeava sangue como se fosse o fim do mundo, minha respiração ficou ofegante, eu estava muito assustada, minha parada se aproximava, e a chuva se mantinha, impiedosa contra a humanidade.

Eu havia chegado em meu destino, não possuía nada que pudesse me proteger da chuva além de um jornal velho que encontrei no ônibus, não possuía escolha, o coloquei sobre a cabeça, me preparei e corri em direção à portaria, entrei, fechei a porta atrás de mim, sentia um frio repentino, e pontual, onde as gotas me acertaram, os relâmpagos clareavam o corredor, estava muito escuro, e era pouco mais de 17 horas, apertei o interruptor, e nada, tentei novamente, e nada, ótimo, estávamos sem energia, fui para o elevador, tentei o chamar, idiota, estamos sem energia, em o que eu estava pensando? Deveria subir pelas escadas, me desanimei, tentei me encorajar dizendo que são apenas quatro andares, respirei fundo, levantei meu peito, e comecei a escalda, estava apenas no 2° andar, e já me sentia fatigada, tinha certeza que eram os cigarros, eu realmente deveria parar, ia jogando uma perna na frente da outra, em um movimento robótico, e algo me chamou atenção, era um ruído, não era a chuva, nem os trovões, e a cada degrau ele ficava mais alto, após alguns degraus pude reconhecer, era um miado, cheguei no terceiro andar, e pude ver, com a luz do meu isqueiro, era o gato, pobre gato maltrapilho, deixado pela humanidade, esse era o nome dele, o gato, era o gato de algum morador, ou da região, mas ele sempre estava por lá, acho que ele gostava de mim, ele me viu, e pôs-se a miar, então comecei a me mover em sua direção, e ele ia se movendo também, na direção de alguma porta, a medida que me aproximava, pude reconhecer, era o quarto 302, o gato me olhou, e começou a arranhar a porta do quarto, que se abriu, ele foi entrando no quarto, eu o segui, seria o gato do falecido? 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Resto

Obviamente eu não escreveria sobre a guerra, eu a odiava, não saberia sobre o que falar, a não ser de ódio, e eu não gostaria de espalhar ódio para os que leem o jornal, todos já estavam contaminados demais por ele, todos nós havíamos perdido demais com a guerra, inclusive eu.
Segui meu rumo, no elevador me sentia aflita, queria sair logo daquele lugar, queria respirar, não aguentava mais, me sentia totalmente presa, cheguei no térreo, ouvi alguém me chamar, certamente era o porteiro, dei as costas e fingi não o escutar, cheguei na rua às pressas, respirei fundo, e comecei a caminhar sem rumo.
Eu estava no centro da cidade, podia ouvir os sons das buzinas, de pessoas conversando, do comércio, de gritos, mas a cidade parecia vazia, os prédios falavam, as paredes gritavam, gritavam com cartazes, pichações, era como um grande coração pulsando, um coração cinza, e deteriorado. Toda aquela situação, a atmosfera pesava sobre mim, e me sufocava, segui para a parada de ônibus mais próxima, e fiquei a esperar, sentia frio e nervosismo, resolvi acender então um cigarro, meus dedos trêmulos acendiam o isqueiro na rua vazia, dei uma longa tragada enquanto fitava o céu, me lembrei de minha mãe, ela sempre teve grandiosos planos para mim, mas eu não poderia ser o que ela queria, eu não era o suficiente, eu a decepcionei, isso era algo que me chateava, minha mãe fora uma grande mulher, e todos criaram expectativas sobre mim, mas eu não sou ela, e nunca vou ser, eu sou apenas eu, e isso é tudo o que eu posso ser, nada além de mim.

Carros, e pessoas passavam, mais cinzas do que nunca, o mundo era sem cor. Com o tempo meu ônibus chegou, e eu subi, o motorista me olhou de cima a baixo, com olhos que demonstravam algum tipo de perversão, me senti enojada, homem imundo, o encarei fazendo cara de desdém, e ele apenas virou o rosto e deu de ombros, a cobradora era uma mulher com um semblante infeliz, não olhava nos olhos das pessoas, se restringia a olhar apenas para o dinheiro, e nada mais, ela certamente odiava estar ali, haviam poucas pessoas no ônibus, e as poucas pareciam todas ausentes de suas cascas, avoadas, caladas, fitavam a rua com o olhar distante, seus corpos estavam presos ao chão, já suas almas e consciências, as levavam para um universo totalmente distante, algo somente deles.