sábado, 26 de dezembro de 2015

Não faz

Me sinto cansado
de andar desarmado
E sei que não me entendem
por isso me ferem

Não cometi nenhum pecado
Então por que não posso ser amado?
Eu nem ao menos sou um foragido
mas me sinto perseguido

Seja sádico, é essa a condição.
Mate-o!
Caso seja de bom coração

Você que se orgulha de sua virtude
está sozinho
Restou-lhe apenas a solitude

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Do ódio

Viva, sofra
Envelheça, e morra

No caminho, trajetória,
Fuga, escapatória

Reze, guarde
e preze

Homem bicho,
Gente lixo

O desgaste
Faz parte

De todas as incertezas
A morte é a verdade

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Vida e morte.

Das mentiras 
Que contei, 
Pouco sei.
Disse que caminhava
Enquanto na verdade,
Me afundava,
E afogava,
Em lágrimas,
Que me apenas 
Esvaziavam.
Em mais um trago
Me senti ainda mais 
Vago,
Vazio.
Meu âmago,
Um buraco
Existe apenas 
O estrago 
Da vida
Que me tem,
Matado.

Não é um soneto.

Foi o jeito no qual me tratou
Que me matou
Me fazer de um estranho
Me doía tanto 


Agora irei sumir
Vou desaparecer
Não há porque sorrir
Você deve me esquecer

Não desejo saber
Do que tenha a contar
Nada que diga
Irá mudar

O ódio que me corrói
A dor,
Que me destrói

Não tenha esperança
Meu corpo agora avança,
Contra o chão. 


domingo, 4 de outubro de 2015

Matutação

Antes de entrar, me certifiquei que não havia ninguém espreitando no corredor, não havia, certo, adentrei no quarto, e suavemente fechei a porta, não queria chamar a atenção de ninguém, apertei o interruptor, eu sabia onde era, seu modelo de apartamento era muito parecido com o meu, mas nada, estávamos sem luz, eu não aprendo nunca, acendi meu isqueiro e observei a sala, possuía uma velha televisão, e um sofá que algum dia fora de cor magenta, havia alguns quadros de Van Gogh, e um estante em uma modelo antigo,  repleta de livros, principalmente livros históricos, e religiosos, certamente era um homem fervoroso. Eu estava observando minunciosamente os detalhes quando o gato me chamou, ele estava no quarto, segui por um corredor vazio, completamente antiquado, até que encontrei o gato, estava arranhando a portinhola de um criado mudo com uma vela sobre uma xícara, na qual acendi, o quarto estava organizado, apesar de um pouco escuro, não possuía nenhuma decoração, além de um armário com a porta defeituosa que estava entreaberto, e um cama simplória, com lençóis gastados, fui até ao criado mudo, me sentei no chão a sua frente, e abri a portinhola, havia alguns envelopes de cartas com destino ao exterior, onde era o epicentro da guerra, estranhei, me relutei a verificar o conteúdo, retirei os envelopes, e encontrei uma caixa, com certa quantidade de poeira sobre ela, e assim como as cartas possuía o mesmo destinatário, alguém com um nome impronunciável para mim, notei que ela estava aberta, e sem pudor o qualquer censura, abri a caixa instintivamente.
Na caixa possuía uma folha escrita, era uma carta, estava em uma língua estrangeira, na qual eu conhecia apenas alguns verbos e substantivos, suficientes para que eu compreendesse algo sobre do que se tratava, era uma carta de despedida, para seu irmão, foi o que pude compreender da mesma, essa carta não havia sido entregue, mas por quê? Nem essa carta, muito menos todas as outras. Mas algo além disso me chamou a atenção, era um embrulho dentro da caixa, eu estava fervendo de curiosidade, sim, eu sou uma pecadora, sei que não deveria fazer isso, ir mexendo em coisas dos outros, mas eu não podia me segurar, peguei o embrulho, segurei-o, estava embrulhado em papel kraft, já envelhecido, me pergunto a quanto tempo estava embrulhado e guardado, coloquei meu dedos entre as frestas, para retirar a cola, mas fui interrompida pelo gato que começou a andar sobre mim, e se deitou em meu colo, após essa breve interrupção, segui meus movimentos, e o desembrulhei, era um livro, como eu esperava, mas era um livro sagrado, de uma religião abominada por muitos, nesse instante, algumas ideias começaram a se formar em minha mente. Vi  as luzes dos postes de luz se acenderem, e iluminarem o chão através das frestas, e em seguida ouvi o barulho da porta do apartamento ao lado se abrir, eu devia sair logo daquele local, peguei tudo que estava dentro da gaveta, e a guardei na bolsa, o gato se levantou, roçou seu corpo contra minha coxa, e seguiu trotando para fora da quarto e desaparecer, me levantei, apaguei a vela, e segui andando para a saída em passos leves, girei a maçaneta lentamente, olhei para o corredor, estava vazio, fechei a porta cuidadosamente atrás de mim, e atravessei o corredor até a escada, onde subia o ultimo lance até meu andar.
Logo estava em casa, e sentia minha respiração pesada, coloquei minha bolsa sobre a mesa, e fiquei a fitando, e matutando sobre o que havia acontecido.


sexta-feira, 2 de outubro de 2015

O gato

Todos calados, não ousávamos sequer uma troca de olhares, me sentei onde que não tivesse que compartilhar assento com ninguém, assim como todos os outros, nos sentíamos confortáveis assim, me sentia um pouco incomodada pelo silêncio, mas certamente era mais agradável do que se existissem uma falatória. A atmosfera era tensa, o único barulho que podíamos ouvir era da lataria do ônibus se chocando uma contra a outra enquanto o ônibus seguia pelas ruas imperfeitas.
A medida que o ônibus seguia seu rumo, podia se notar o céu cinza, que de tempos em tempos era clareado por um relâmpago, que rasgava o céu, e iluminava todo o horizonte, eventualmente a chuva veio, mas dessa vez, forte, e impiedosa, se atirava com força contra as vidraças dos ônibus, produzia um som ensurdecedor ao se chocar contra tudo o que cobria a crosta terrestre, podia sentir que as pessoas no ônibus estavam tensas, principalmente eu, tinha medo da mesma, medo da fúria da natureza, na qual é a forma mais antiga e sábia de vida, a chuva os deixou apreensivos, então vi um enorme relâmpago cruzar o céu, no formato de veias, e em seguida veio um trovão, estrondoso, fez com que a terra tremesse, e pude ouvir os gritos de sustos, meus nervos e músculos se contraíram, meu coração bombeava sangue como se fosse o fim do mundo, minha respiração ficou ofegante, eu estava muito assustada, minha parada se aproximava, e a chuva se mantinha, impiedosa contra a humanidade.

Eu havia chegado em meu destino, não possuía nada que pudesse me proteger da chuva além de um jornal velho que encontrei no ônibus, não possuía escolha, o coloquei sobre a cabeça, me preparei e corri em direção à portaria, entrei, fechei a porta atrás de mim, sentia um frio repentino, e pontual, onde as gotas me acertaram, os relâmpagos clareavam o corredor, estava muito escuro, e era pouco mais de 17 horas, apertei o interruptor, e nada, tentei novamente, e nada, ótimo, estávamos sem energia, fui para o elevador, tentei o chamar, idiota, estamos sem energia, em o que eu estava pensando? Deveria subir pelas escadas, me desanimei, tentei me encorajar dizendo que são apenas quatro andares, respirei fundo, levantei meu peito, e comecei a escalda, estava apenas no 2° andar, e já me sentia fatigada, tinha certeza que eram os cigarros, eu realmente deveria parar, ia jogando uma perna na frente da outra, em um movimento robótico, e algo me chamou atenção, era um ruído, não era a chuva, nem os trovões, e a cada degrau ele ficava mais alto, após alguns degraus pude reconhecer, era um miado, cheguei no terceiro andar, e pude ver, com a luz do meu isqueiro, era o gato, pobre gato maltrapilho, deixado pela humanidade, esse era o nome dele, o gato, era o gato de algum morador, ou da região, mas ele sempre estava por lá, acho que ele gostava de mim, ele me viu, e pôs-se a miar, então comecei a me mover em sua direção, e ele ia se movendo também, na direção de alguma porta, a medida que me aproximava, pude reconhecer, era o quarto 302, o gato me olhou, e começou a arranhar a porta do quarto, que se abriu, ele foi entrando no quarto, eu o segui, seria o gato do falecido? 

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Resto

Obviamente eu não escreveria sobre a guerra, eu a odiava, não saberia sobre o que falar, a não ser de ódio, e eu não gostaria de espalhar ódio para os que leem o jornal, todos já estavam contaminados demais por ele, todos nós havíamos perdido demais com a guerra, inclusive eu.
Segui meu rumo, no elevador me sentia aflita, queria sair logo daquele lugar, queria respirar, não aguentava mais, me sentia totalmente presa, cheguei no térreo, ouvi alguém me chamar, certamente era o porteiro, dei as costas e fingi não o escutar, cheguei na rua às pressas, respirei fundo, e comecei a caminhar sem rumo.
Eu estava no centro da cidade, podia ouvir os sons das buzinas, de pessoas conversando, do comércio, de gritos, mas a cidade parecia vazia, os prédios falavam, as paredes gritavam, gritavam com cartazes, pichações, era como um grande coração pulsando, um coração cinza, e deteriorado. Toda aquela situação, a atmosfera pesava sobre mim, e me sufocava, segui para a parada de ônibus mais próxima, e fiquei a esperar, sentia frio e nervosismo, resolvi acender então um cigarro, meus dedos trêmulos acendiam o isqueiro na rua vazia, dei uma longa tragada enquanto fitava o céu, me lembrei de minha mãe, ela sempre teve grandiosos planos para mim, mas eu não poderia ser o que ela queria, eu não era o suficiente, eu a decepcionei, isso era algo que me chateava, minha mãe fora uma grande mulher, e todos criaram expectativas sobre mim, mas eu não sou ela, e nunca vou ser, eu sou apenas eu, e isso é tudo o que eu posso ser, nada além de mim.

Carros, e pessoas passavam, mais cinzas do que nunca, o mundo era sem cor. Com o tempo meu ônibus chegou, e eu subi, o motorista me olhou de cima a baixo, com olhos que demonstravam algum tipo de perversão, me senti enojada, homem imundo, o encarei fazendo cara de desdém, e ele apenas virou o rosto e deu de ombros, a cobradora era uma mulher com um semblante infeliz, não olhava nos olhos das pessoas, se restringia a olhar apenas para o dinheiro, e nada mais, ela certamente odiava estar ali, haviam poucas pessoas no ônibus, e as poucas pareciam todas ausentes de suas cascas, avoadas, caladas, fitavam a rua com o olhar distante, seus corpos estavam presos ao chão, já suas almas e consciências, as levavam para um universo totalmente distante, algo somente deles.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Suspiro.

Já estava próxima do andar em que eu devia descer, respirei fundo, estava um pouco insegura de minha crônica, foram dias árduos, de pouca produção e inspiração, estava sendo consumida por sentimentos desvirtuosos. O elevador fez a pausa, desci, respirei fundo, fitei o caminho à minha frente, havia um longo corredor com inúmeras mesas e pessoas trabalhando. Segui pelo corredor, passando por sala a sala, alguns davam uma breve fitada em mim com olhos despreocupados. e voltavam aos seus afazeres, mas a maioria não se dava ao luxo de me notar, estavam todos muito ocupados, eu podia ouvir algumas palavras fugirem dos diálogos, elas me acertavam como marretadas em minha cabeça, principalmente a palavra “guerra”, era do que todos falavam, sobre a destruição, caos, e sobre a morte, tentei ocupar minha mente para que eu não prestasse atenção nessas palavras, não queria saber disso, não queria ouvir sobre, me chateava, apenas de ouvir me subia uma ânsia pela garganta, sufocante, sentia vontade de chorar, queria correr para o banheiro e me esconder, mas me mantive, tive compostura. 
Cheguei em meu destino, uma sala com porta de vidro, com uma persiana já amarelada pela ação do sol, ouvi um grito de lá de dentro, “Que se dane os malditos, quero notícias, agora! Mas que droga, esses incompetentes!”, houve um suspiro alto, e alguns murmúrios baixos, e se fez silêncio, era minha hora de entrar em cena, bati suavemente na porta, e houve um grito “Entre!”, levei um susto, e institivamente tirei minha mão da porta, mas lentamente a coloquei lá novamente, e vagarosamente abri a porta, ouvi então: “Ah! É você, sente-se, sente-se! ” me sentei – O que temos para hoje? – Perguntou ele, entreguei a ele os papéis, ele os pegou e começou a ler, após algum tempo, ele disse: “Ótimo, será publicado.” Suspirei aliviada, ele me olhou e perguntou “Quem sabe talvez você possa fazer uma crônica a respeito da guerra?” “Bom, tenho que a dispensar agora, pois tenho uma importante reunião agora, de todo modo, foi ótimo a ver, até mais, aliás, sua mãe ficaria muito orgulhosa de você.” "Duvido", pensei comigo mesma. 

Saí novamente para o corredor. 

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Taste

Virei a esquina, me sentia ainda um pouco desnorteada, apoiei-me um pouco sobre a parede de tijolos de uma livraria que havia aberto a pouco naquela esquina, olhei para o meu reflexo na fachada, via meus olhos profundos, e fortes olheiras, minha boca ressecada, na qual tentei passar a a língua nos lábios, mas de pouco adiantou o local já havia sido ponto de diversos outros comércios, que nunca prosperavam, diziam as boas bocas que era um local maldito. Já não chovia mais, mas a cidade ainda estava totalmente coberta por uma densa nuvem cinza, e as calçadas estavam completamente molhadas, o vento gélido batia contra meu rosto, eu podia senti-lo congelar meu nariz, e fazer com que meus lábios se ressecassem, até racharem, pensei comigo mesma que poderia ter usado um hidratante labial que ganhei há algum tempo, mas eu não me importava muito com esses pequenos detalhes estéticos.
Era uma breve caminhada até o jornal, eu seguia meu rumo com as mãos nos bolsos para que tentasse as manter aquecidas. A fome se acordou dentro de mim, mas não possuía a mínima vontade de comer, apenas acendi um cigarro, e me mantive a caminho. Já me aproximava do edifício, e comecei a bolar um plano para que entrasse sem chamar atenção de ninguém, principalmente um porteiro que havia, era um homem de cabelos cinzas penteados para o lado com algum creme barato sob os fios, e barba mal aparada, ele gostava de ser receptivo demais, e eu podia sentir nele a falsidade, que o escorria à boca, sempre que ele falava algo, arqueava a sobrancelha, fazendo uma feição intimidadora, e falava e gargalhava alto, como se fosse implacável, mas eu sabia suas intenções, era um maníaco que gostava de aparecer para as mulheres, eu me sentia totalmente impotente na presença daquele  homem ameaçador, apenas queria estar o mais longe o possível dele. Eu me esforçava ao máximo para evita-lo, notei que ele estava a conversar com alguma moça, supus que fosse uma jornalista, pelo vestido justo, e o sapato de salto que vestia, ele tentava a impressionar, mas mais parecia um babuíno no cio, era minha deixa, acelerei meus passos, e passei por trás dele, o mais apressadamente possível, cheguei ao elevador, e me sentia aliviada, estava sozinha, respirei fundo e senti um gosto amargo na boca, me virei ao espelho e vi que meus lábios sangravam pelas rachaduras, meus olhos, estavam abatidos, passei a manga de minha blusa por cima na esperança de que limpasse um pouco, não queria parecer uma maluca quando fosse entregar meu trabalho.









domingo, 27 de setembro de 2015

Mazela

Estou distante
Deixo o corpo numa estante
As vezes o tiro
Para comer,
Ou para obrigações,
Mas nunca para viver.

Ele está lá, 
Mas eu não.
Não me encontro em meio a multidão
Estou em lugar, só meu
Onde não irão me encontrar
Um local, onde a paz venceu

Ás vezes, volto à casca
E vejo que já me basta
Dessa mazela 
De não ser nada 
Nessa vida que me mata

sábado, 26 de setembro de 2015

Árvore

Nunca mudei
Tampouco irei
Sou como uma árvore
A espera que o inverno acabe

Aguardo por novos tempos
Que trarão novos ventos,
De primavera
Que me cobrirá de novas folhas
Porém essas mesmas se irão,
Juntas ao fim do verão

Serei sempre o mesmo tronco
Inocente,
Ás vezes decadente
Com raízes que criei
Sob tudo o que acreditei
E me fazem reviver
Meus ideais que,            

Não deixei morrer. 

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Como

Para quem escrevo?
Escrevo para o que vejo
Escrevo sobre o que meus olhos
Desejam dizer

Escrevo para o que não vejo
Escrevo para o que sinto
E minha boca não diz
Sentimentos sem descrição
E gestos sem tradução

Escrevo sobre o que não sei explicar
Escrevo sem onde começar
Muito menos onde acabar

Escrevo não com esperança
De que algo vá mudar
Apenas que eu possa alcançar

O mais profundo do meu ser
Da existência
Do vazio de não saber
Como viver.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Será o fim?

Em vida
Tive o sol 
Como farol 
Voei de norte a sul
Em companhia do azul
De leste a oeste
Enfrentei a peste

Do bicho homem 
Que constrói e consome 
Destrói e some
Com a pureza
De minha natureza

Agora já não posso mais voar
Nem meu canto, 
cantar
Me entrego para ti, 
ó mãe

Da terra eu vim
E para ela hei de voltar 
Sou um serafim 
Que deixou de voar
Será fim?

domingo, 13 de setembro de 2015

Poesia ao tempo

Não lhe encontrei
Nas bocas que beijei
Nem teus braços
Em outros abraços

Confesso que senti
Uma dor no coração
Quando te vi
Andando na rua com outra mão

Não me esqueci
Do seu cheiro de sabão
Mas sobrevivi 
À nossa separação

Aquele último beijo
Que foi amargo
Ainda faz eco
Em meu lábio



quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Rabisco poético.

Não sei porque de poemas
Talvez goste de enfeitar a dor
nesse meu carnaval de letras, 
mas já é setembro, meu amor.

Agora em busca de outros solos
Sem ao certo uma trajetória
Talvez os polos,
como uma ave migratória. 

Já é chegada a hora,
e como uma flor,
aflora,
Já é primavera, meu amor,
Então, não demora

Todos, até então.

Era por volta das 2 da manhã, havia perdido a noção de tempo há muito, eu espreitava desnorteada pela janela observando as luzes nos apartamentos, e pensava sobre a existência do dono de tal luz que habitava a aquela distância, instintivamente já estava acendendo mais um cigarro, porém antes de o colocar na boca, relutei, e jurei que seria o último, já havia fumado outros 19, por você, agora eu tragaria o último, pelo fim, também por relutância, foi o mais demorado, a noite estava fria, e o sereno corria pelo céu, e se juntava aos resquícios de lágrimas secas em meu semblante, fingi não me incomodar com aquilo que me causava certo desconforto na face, me sentia nauseada, e com forte enxaqueca, possivelmente devido as tristezas que se projetavam no mais profundo de meu ser durante as horas anteriores, quando me ocorrera a metamorfose, e que ainda refletiam em minha alma.

Não queria dormir, pois sabia que nunca mais seria a mesma, o que eu era ficou para trás, em um passado agora distante, como se nunca tivesse existido tal ser que um dia fôra eu. Encontrava-me perdida, sentada à cabeceira da cama, agora cabisbaixa, as luzes da cidade pareciam cada vez mais distantes, e turvas, todos já dormiam, exceto os malditos e os miseráveis, estava agora exausta, minha visão além de turva, cambaleava, o sofrimento havia vencido meus limites humanos, e assim mesmo, derrotada pelo cansaço adormeci, como quem já não havia mais vida, dormi mal naquela noite, calafrios percorriam meu corpo, e espasmos me sacudiam a todo tempo.

Acordei ao som das badaladas da catedral, era domingo, dia de missa, fui novamente para a janela ver as crianças irem contra vontade em suas roupas engomadas, eu não me sentia muito diferente delas, era o que queriam que eu fosse, vestindo uma máscara, e fazendo meu reles papel na sociedade, de acordo com o que decidiam que deveria ser. Algo me incomodava, sentia um buraco em meu torso, e sabia que não se tratava de fome, então decidi preparar chá, não tinha apetite apesar de não me recordar quando havia sido minha última refeição. Com o chá pronto, voltei à janela, agora chovia, e observava as pessoas tentarem se esconder da chuva correndo para as marquises, me esquivava de beber o chá, agora já frio o deixei de lado, senti vontade de fumar e me recordei que havia fumado todos os meus maços noite passada, me senti mal por isso, havia jurado que não iria mais fumar, cogitei ir a rua comprar cigarros, porém não possuía disposição alguma para ir ao mercado, e encarar as pessoas, então me deitei novamente encarando o teto branco que possuía algumas rachaduras devido a umidade que as chuvas prolongadas haviam causado.

Após um breve período fitando o teto, e tentando desvencilhar minha mente de traiçoeiros pensamentos, pude notar que chuva havia diminuído seu ritmo, agora já não agredia as janelas e peitorais, suspirei profundamente e decidi ir a uma lanchonete próxima, fiz então um esforço enorme e um prolongado movimento para me levantar da cama, via meu reflexo no espelho, manchas negras sombreavam meus olhos fundos, vesti uma peça de roupa que pudesse me manter aquecida, recolhi as chaves e as coloquei no bolso, calcei botas, e tomei o elevador. No elevador estava sozinha, suspirei e de súbito fechei meus olhos por alguns instantes, com meus olhos agora abertos novamente, podia ver a imagem de uma pequena garota, com olhos curiosos que fitavam o chão, enquanto mordia os lábios, ela parecia um tanto quanto nervosa, após alguns instantes fitando o chão, ela me disse, sem levantar a cabeça  –Do que você tem medo? - Surpresa eu não a soube responder. –Você tinha em si todos os sonhos do mundo, então por que os escondeu?, continuou ela. –Por que usa essa máscara?, após essas palavras, me senti desnorteada, minha visão ficou turva, e me desequilibrei, fiquei apoiada nas paredes do elevador por um tempo, até me recompor, quando pude me recuperar, a garotinha já não estava mais lá, eu ainda não compreendera o que ocorrera há pouco , o que me deixou pensativa, quem seria aquela garota? Por que havida dito aquilo? Minha mente estava turbulenta, e meu coração estava disparado, me vi espelho, eu estava pálida, sentia minha boca seca, e uma gota de suor escorria por minha testa, estava apavorada, saí do elevador ainda cambaleando e tomei rumo à rua.


Na rua, eu me sentia invisível e indiferente para os outros, passavam por mim e não me notavam, será que eles me viam como uma pessoa? Alguém com uma vida tão complexa e conturbada como a deles, eu os via assim, todos pareciam ocupados demais correndo de um lado para o outro sem ir a lugar nenhum, com suas vidas e rotinas corridas e estressantes, eu estava totalmente imersa em meus pensamentos que mal pude notar o quarteirões e pessoas que se passavam, marcados de humanizações cinzas, viciadas e sujas,  e assim cheguei em meu destino, uma lanchonete antiga, com uma simpática faixada vermelha, agora já gasta e corroída pelo tempo, não era muito frequentada, e por isso o ambiente me agradava, me sentei próxima do balcão, e o atendente veio ao meu encontro, era um rapaz de boa aparência, que sempre me atendia com um sorriso tímido no canto de sua boca e olhos cortês, ele me perguntou se eu queria o mesmo de sempre, mas como eu não possuía muitas energias, apenas acenei positivamente com o cabeça, por algum motivo, eu tinha a boca emudecida, meus pensamentos me cercavam e me sufocavam, me mantinham calada e cabisbaixa, sentia meus corpo pesado, tudo girava novamente,  nuances de vermelho e outras cores começaram a se fundir em minha mente, tudo se embaralhava, quando repentinamente escutei –Aqui está seu pedido! Você está bem? Parece um pouco pálida, recobrei minha consciência e agradeci, ele se virou de costas com olhos opacos, como se tivesse presenciado um evento bizarro, mas eu não entendia o que me acontecia, apenas sentia um mau pressentimento, então comecei a fitar meu café e sanduíche, resolvi me alimentar. Bebi o café por inteiro, estava quente e amargo, como eu gostava, desceu minha garganta e me aqueceu por inteira, mas deixei uma fatia do sanduíche intacto, não estava com muito apetite, fui então ao balcão para acertar, cheguei lá e a atendente não pareceu me notar, estava lendo um desses livros comerciais clichês feitos apenas para ganhar dinheiro, eu tinha uma enorme repugnância por esses livros que não eram escritos com sangue,  e isso me deixou um pouco aborrecida, então forcei uma tosse, para que ela me notasse, ela fez um "oh" assim que me viu, era sempre assim, ela sempre desatenta em seu mundo falso, e eu precisava chamar sua atenção, me sentia humilhada por isso, eu a franzi o cenho, paguei, e fui embora, sem abrir a boca, estava irritada.

Saindo da lanchonete, cruzei a rua, precisava tomar um caminho diferente, tinha de ir no mercado comprar cigarros e frutas, em meu rumo havia uma rua paralela, onde tinha um viaduto, em baixo desse viaduto havia um homem deitado, ele tinha olhos inexpressivos e desesperançosos fixos em algum ponto distante, seu rosto era fortemente marcado pelas mazelas de sua vida, aquilo me chateou muito, pois eu sabia que ele não era o único, pelo mundo todo haviam pessoas que se escondiam delas mesmas, possuíam vergonha do que eram, escondiam-se do mundo, do sol, e dos outros, não viviam a vida para que se fosse vivida, viviam à espera do fim, para que logo a vida os fosse tomada, pois para eles não havia sentido, a vida não valia a pena ser vivida, aliás, o que era viver a vida? Isso eu não sabia, acho que nunca saberia, sempre me perguntava sobre as coisas da vida, e nunca chegara a nenhuma conclusão. Nesse momento me sentei em uma parada de ônibus, e me lembrei de quando perguntei ao meu pai qual era o sentido da vida, e ele me respondeu que era ser feliz, ao menos era o que todos almejavam, desde então nunca mais o perguntei nada, o achei tolo por acreditar em tal futilidade, cheguei então a conclusão que todos estávamos à deriva da vida, com perspectivas falsas, senti uma grande necessidade de mais um cigarro, então segui meu caminho pela rua, que me parecia torta, e suja.
A mercearia se aproximava, já via na porta o senhor proprietário, era um homem de idade avançada, com problemas auditivos, que tinha uma cara fechada para todos, certamente odiava o que fazia, só o fazia por necessidade de dinheiro, ele se sentava na porta, em uma cadeira de balanço  de madeira, velha e marcada pelo descuido do mesmo, escutando o rádio que era possível se escutar a quarteirões de distância, que noticiava sobre a guerra, e ele apenas acenava com a cabeça como se concordasse com o que era noticiado, enquanto fumava seu cachimbo fedorento , observava a chuva cair, e as pessoas passarem. Perdida em meus pensamentos novamente me desvencilhei do mundo real, e quando me dei conta havia pisado numa poça imunda, e notei que o velho me observava com seus olhos que pareciam esperar por isso há muito tempo, sentia seus olhos rirem de mim, enquanto sua boca continuava decrépita. Fui me aproximando mais e mais da mercearia, e ele me acompanhava com os olhos, e se certificou que eu iria sacudir minhas botas antes de entrar, entrei e ele não disse nada, fui direto para a fruteira, havia pouca variedade, a guerra estava atrapalhando a produção de alimentos por todo o país. Eu não concordava com a guerra, sempre acreditei que cada um deveria fazer o que bem entende sem incomodar o outro, acho também muita tolice tirar a vida de milhares por apenas pensarem de maneira diferente da sua, era algo que realmente me deixava chateada, pensar em tirar a vida de alguém que um dia poderia ser uma pessoa importante para o mundo me deixava realmente magoada, terminei de escolher as poucas frutas que estava em boas condições, e rumei para o caixa, a atendente era a mulher do velho, ela era um pouco mais bem cuidada do que ele, e tinha um semblante agradável, sentia nela uma forte aura materna, algo que me deixava confortável próxima dela, retruquei o sorriso, então  pedi o maço de cigarros, gostaria de cigarros Camel, mas não estavam chegando mais ao país, então pedi maço de Marlboro vermelho --São 6 dólares no total; disse ela, eu acenei com a cabeça e entreguei o dinheiro, peguei minhas compras e saí pela porta, e pude olhar pelos ombros que ela ainda se mantinha sorrindo para mim, com seus olhos quase cerrados, foi algo que me aqueceu o peito de alguma maneira. 

Novamente na rua, com suas pichações e imundices, via a chuva carregar nela sujeiras de meses, na cidade era assim, tudo se corrompia, até mesmo a chuva, que ao descer das nuvens já era contaminada por detritos que humanos produzem, e ao chegar ao seu destino, era violentamente rebatida por concretos cinzentos, as árvores não possuíam espaço para crescer, a natureza não se proliferava, era completamente rebatida pela humanidade, com esses pensamentos, decidi passar por um parque que havia não muito longe de onde eu estava, parques são assim, uma maneira que os homens encontraram de sentirem menos culpados por corromperem a natureza. Eu gostava da natureza, fazia com que eu me sentisse conectada com o todo o mundo, com o passado, o presente, e o futuro, com toda vida que já passou, e passará por nosso planeta, era agradável estar em meio à natureza, sentia que voltara de onde eu vim.


Me escondi em baixo de uma marquise, para acender um cigarro, mas o vento forte trazia com ele folhas, ar gelado, e gotículas, que maltratavam meu fogo. Acendi o cigarro, e dei uma longa tragada, sentia o sabor adocicado descer por minha traqueia e passear por meus pulmões, então expeli uma densa fumaça, que bailou no ar e sumiu junto à paisagem cinza. 

Agora com o cigarro aceso, caminhava para o parque, gostava de ficar com o mesmo por um tempo parado na boca sem tragar, então o tragava forte, e com a mão esquerda o tirava da boca, o que me era estranho, tendo em vista que eu sou destra, o levava até a altura da cintura e batia as cinzas suavemente, e mantinha a fumaça em minha e boca brincando com ela, até que a expelia lentamente, eu a gostava de ver subir e desaparecer, e fui assim, tragando até chegar no parque. O parque não era nenhuma maravilha, ficava em frente à catedral, possuía alguns bancos com tinta desgastada, uma fonte no centro, alguns brinquedos na areia para crianças, e tinha boa parte coberta por uma grama sempre bem aparada, possuía também algumas árvores com folhas dissipadas em seus galhos, já que a maioria se encontrava no chão, pois a chuva as levara para lá, fui caminhando pelo parque através de folhas e gramas molhadas e restos de industrializados até um banco que me dava visão completa da catedral, sentei nesse banco onde eu podia observar de longe a missa, e acendi um cigarro, usando o fósforo na mão esquerda também, me sentia uma a anticristo, vilã dos bons costumes, impondo meus valores imorais e imundos em frente a uma catedral.
 Comecei a fitar a igreja, e de minha distância eu podia ver as pessoas seguindo em filas para receberem a hóstia e a benção, como porcos caminhando para o abatedouro, me sentia péssima com toda aquela situação, me sentia péssima por eles, eu não me aclamava ateia, me via como agnóstica, eu não podia provar nada, mas não acreditava em nenhuma divindade, achava maior bobagem alguém acreditar em um deus que permitia que o mundo fosse como é, com guerras, ódio, caos, simplesmente não fazia o menor sentido para mim, religião deveria ser algo que fosse para pacificar e unir o mundo, não para o destruir, sempre houveram guerras sem sentido, pelo simples fato de certo povo não acreditar nos mesmos dogmas de outro , simplesmente não me fazia sentido, era como um caroço, que me sufocava, e eu não conseguia engolir.

O vento soprava forte, e maltratava meu cigarro, que queimava com ímpeto, ouvi as badaladas dos sinos, a missa havia terminado, as pessoas saiam aos montes, e algumas caminhavam em minha direção, com seus filhos, família, amigos, e passavam por mim, alguns me olhavam de canto de olho, apenas para me pré-julgarem, eu não dava bola, e algumas crianças passavam por mim dando gargalhadas, naquele momento eu me senti muito sozinha, as crianças riam, e os adultos conversavam entre si, e eu me sentia estranha, algo faltava em mim, eu era diferente deles, por que eu não poderia ser feliz como eles? Por que não conseguia rir com eles? Sentia uma súbita vontade de chorar, minha visão estava agora encoberta de um fluido salgado, que desejava escorrer pelo meu rosto, e eu pensei para ele –Fique aí, não deixarei que ninguém o veja, então comecei a fitar meus calçados, para que não notassem meus olhos.
Após um longo período cabisbaixa, a multidão já havia se dissipado, então recobrei meu ar, olhei para o céu, o sol parecia tímido e doente, pouco se mostrava estre as densas nuvens negras, e brilhava em branco pálido e opaco. Era inverno, e todas as folhas, caducifólias, bailavam no vento e saíam por aí, sem rumo, ou pretensões, apenas queriam algo a alcançar, seja o que fosse, era algo realmente invejável, a liberdade que a natureza possui.
Decidi então ir para casa, me sentia fatigada, levantei demoradamente e segui pelos caminhos do parque até uma saída que me deixasse mais próxima do meu apartamento. Fui caminhando pelas ruas vazias e inóspitas de uma capital, faltava apenas virar a rua para que estivesse próxima de meu apartamento, ouvia então um pequeno barulho de sirenes, que aumentava quanto mais eu me aproximava de casa, e via luzes intercaladas em vermelho refletirem pela rua a atingir as vidraças de uma loja de chocolates em frente, que iluminava todo o local, virei a rua, era um comboio de resgate dos bombeiros, e todos os moradores do edifício na calçada, intrigados, haviam sido obrigados a deixar seus apartamentos, a surpresa viria depois.
Via a agitação em frente ao condomínio, fui me aproximando, com passos lentos e cautelosos, estava apreensiva, não entendia o que estava ocorrendo, todos estavam distantes do prédio, ouvi dizerem que os paramédicos estavam a caminho, podia sentir um leve cheiro de gás doméstico vindo do prédio, estava desnorteada e confusa com a situação, a ambulância chegou e ficamos esperando, via dentro do prédio grande agitação, vultos corriam pela janela, barulhos de passos apressados vinham em direção à saída, então saíram da porta alguns bombeiros na frente abrindo caminho, e atrás havia dois homens segurando um corpo, estava sereno, com semblante adormecido, pude o reconhecer, era o homem do apartamento 302, pouco se via ele, não saía de casa, nunca fizera o menor ruído, não fazia ideia do que ocorrera.
Fui chegando mais próxima da ambulância, e pude prestar atenção na conversa: –Nós encontramos remédios para dormir, a válvula do gás de cozinha estava aberta, e todas as janelas fechadas, quando chegamos, ele já estava apagado, disse o bombeiro para o clínico, o clínico estava com olhos tristes, e olhava para o corpo enquanto media o seu pulso, respirou fundo, suspirou e disse –Está sem pulso, acredito que tenha cometido suicídio ontem, olhei então para aquele corpo sem vida, estirado sereno em minha frente, me senti nocauteada como se tivesse recebido uma pancada na cabeça, por instantes, era como se eu pudesse sentir a dor dele, pronto, foi isso, abalou meu mundo por completo, ele havia tirado a sua própria vida.

Depois de ouvir isso, me recolhi para um canto escuro da rua para me esconder, estava sem forças, não conseguia pensar em nada, nem em acender um cigarro, ou qualquer coisa, apenas procurei encosto em uma parede próxima e lá fiquei, encarando o nada por um longo tempo, até que fosse permitido entrar no edifício. No edifício ouvi a síndica falar com um homem da polícia: –Ele tem um irmão em algum lugar, acho que deveríamos notifica-lo, me senti um pouco aliviada por saber que teria alguém para se lembrar dele por algo que não fosse o seu ultimo ato. Subi para o quarto, e me joguei na cama, as badaladas da catedral marcavam 12 horas, adormeci.
Estava adormecida, e escutei um barulho irreconhecível que me despertou de meu sono, acordei assustada, ainda sonolenta, sentia meus olhos grudados pálpebra com pálpebra, mas me acalmei, supondo que era apenas o vento que corria contra as frestas da janela, e uivava me chamando para ver as luzes da noite, me dirigi trôpega então até a janela da cozinha, cogitei acender a luz, mas imaginei que iria me causar dor nos olhos, então segui apenas pela iluminação que a lua me proporcionava, cheguei à janela, e empurrei com mais força para que ficasse completamente fechada, após isso feito, tudo certo, me direcionei para o quarto andando pelo carpete, passando pela sala de jantar, me sentia tonta de sono, sentia os olhos mais e mais pesados, até que de repente, bati meu dedo mínimo na quina da mesa, esbravejei e xinguei calada, agora com lágrimas nos olhos, irritada segui meu caminho até o quarto.

No quarto eu fiquei de frente para a cama e deixei que meu corpo caísse desfalecido, e meus olhos se fecharam de súbito, quando estava quase adormecida escutei novamente um barulho, mas dessa vez com maior sonoridade, notei que não era no meu apartamento, mas possivelmente no recém abandonado 302, senti um calafrio me subir a espinha, e fez com que meu corpo despertasse por inteiro, eu morava no 402, acima do quarto 302. Após algum tempo de um breve silêncio, pude ouvir o vento uivar, e as paredes estalarem, e novamente sons vindo do andar de baixo, emudeci, diminui meu ritmo respiratório, cogitei em verificar o que estava acontecendo, estava com medo demais para isso, não conseguia mexer nem um músculo se quer para me mover da minha posição atual, fiquei ali, estática, encoberta com apenas os olhos alertas de fora do cobertor, espreitando a noite, até que o sol punha-se a se levantar no horizonte, e os primeiros ruídos matinais de uma segunda feira brotavam, e em fim pude adormecer.
Quando me despertei, era por volta das quatorze horas, sentia fome demasiada, me levantei de prontidão com minhas pálpebras engomadas uma sobre a outra me dirigi ao banheiro. O banheiro era frio, e mesmo morando sozinha me trancava dentro do banheiro, para que a solidão dos outros cômodos não me tirasse a privacidade, mesmo de dia, a casa era escura, faltavam meios com que a luz adentrasse, porém para mim era o suficiente, os raios solares que invadiam o banheiro eram o bastante para que eu pudesse ver meu rosto deformado por horas seguidas com o mesmo pressionado contra o travesseiro, notava também meu cabelo espalhado por toda minha cabeça, sem forma alguma, apenas caos.
Decidi então tomar banho, banhos sempre foram momentos íntimos, não apenas por estar nua, no banho, eu estava sozinha, despida de roupas, de preceitos, e influências, era um dos momentos mais profundos de introspecção intimista, onde eu poderia ser eu mesma comigo mesma, banhos eram longos, me sentia extremamente bem com a água quente acariciando minha pele delicadamente do pé até minhas goteiras, e assim como a água caía, eu me afogava em pensamentos, e por ampla consciência ambiental, fechava a torneira, e me secava, parei em frente ao espelho, eu não gostava nem um pouco de meu corpo despido, via defeitos em cada parte, talvez eu não gostasse muito de me ser.


Saí do banho, comecei a me aprontar, deveria entregar minha crônica ao jornal até ás dezesseis horas, me desanimei por apenas pensar em fazer algo em que demandasse minha total administração do tempo. Eu trabalhava para um jornal local, onde publicava crônicas em dias intercalados, foi uma vaga que consegui por influência de minha mãe, que costumava a ocupar um dos cargos mais altos no jornal. Como estava indo entregar meu trabalho, me vesti de forma em que parecesse mais arrumada, geralmente me vestia como me convinha, mas sempre tratava de parecer mais cuidadosa quando ia ao jornal, pois era meu sustento. Já tinha tudo em mente, iria me alimentar, e ir ao jornal em seguida, tudo planejado, terminei de me arrumar, peguei as chaves, carteira, maço de cigarros, minha pasta, e desci. Na rua me sentia nauseada ao olhar para o prédio da calçada, suas paredes agora pareciam escarlates, me lembrara de tudo o que acontecera na noite passada, e sentia certa pressão nas têmporas, que fez com que me sentisse fraca e desnorteada, com a mão na cabeça comecei a me afastar lentamente do prédio, até que tomei outra rua.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Continuação. Sem filtragem

Quando me despertei, era por volta das quatorze horas, sentia fome demasiada, me levantei de prontidão com minhas pálpebras engomadas uma sobre a outra me dirigi ao banheiro. O banheiro era frio, e mesmo morando sozinha me trancava dentro do banheiro, para que a solidão dos outros cômodos não me tirasse a privacidade, mesmo de dia, a casa era escura, faltavam meios com que a luz adentrasse, porém para mim era o suficiente, os raios solares que invadiam o banheiro eram o bastante para que eu pudesse ver meu rosto deformado por horas seguidas com o mesmo pressionado contra o travesseiro, notava também meu cabelo espalhado por toda minha cabeça, sem forma alguma, apenas caos.
Decidi então tomar banho, banhos sempre foram momentos íntimos, não apenas por estar nua, no banho, eu estava sozinha, despida de roupas, de preceitos, e influências, era um dos momentos mais profundos de introspecção intimista, onde eu poderia ser eu mesma comigo mesma, banhos eram longos, me sentia extremamente bem com a água quente acariciando minha pele delicadamente do pé até minhas goteiras, e assim como a água caía, eu me afogava em pensamentos, e por ampla consciência ambiental, fechava a torneira, e me secava.

Saí do banho, comecei a me aprontar, deveria entregar minha crônica ao jornal até ás dezesseis horas, eu trabalhava para um jornal local, onde publicava crônicas em dias intercalados, foi uma vaga que consegui por influência de minha mãe, que costumava a ocupar um dos cargos mais altos no jornal. Como estava indo entregar meu trabalho, me vesti de forma em que parecesse mais arrumada, geralmente me vestia como me convinha, mas sempre tratava de parecer mais cuidadosa quando ia ao jornal, pois era meu sustento. Já tinha tudo em mente, iria me alimentar, e ir ao jornal em seguida, tudo planejado, terminei de me arrumar, peguei as chaves, carteira, maço de cigarros, minha pasta, e desci. Na rua me sentia nauseada ao olhar para o prédio da calçada, suas paredes agora pareciam escarlates, me lembrara de tudo o que acontecera na noite passada, e sentia certas dores nas têmporas, com a mão na cabeça comecei a me afastar lentamente do prédio, até que tomei outra rua.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Continuação 3, Sem Filtragem.

Estava adormecida, e escutei um barulho irreconhecível que me despertou de meu sono, acordei assustada, ainda sonolenta, sentia meus olhos grudados pálpebra com pálpebra, mas me acalmei, supondo que era apenas o vento que corria contra as frestas da janela, e uivava me chamando para ver as luzes da noite, me dirigi trôpega então até a janela da cozinha, cogitei acender a luz, mas imaginei que iria me causar dor nos olhos, então segui apenas pela iluminação que a lua me proporcionava, cheguei à janela, e empurrei com mais força para que ficasse completamente fechada, após isso feito, tudo certo, me direcionei para o quarto andando pelo carpete, passando pela sala de jantar, me sentia tonta de sono, sentia os olhos mais e mais pesados, até que de repente, bati meu dedo mínimo na quina da mesa, esbravejei e xinguei calada, agora com lágrimas nos olhos, irritada segui meu caminho até o quarto.

No quarto eu fiquei de frente para a cama e deixei que meu corpo caísse desfalecido, e meus olhos se fecharam de súbito, quando estava quase adormecida escutei novamente um barulho, mas dessa vez com maior sonoridade, notei que não era no meu apartamento, mas possivelmente no recém abandonado 302, senti um calafrio me subir a espinha, e fez com que meu corpo despertasse por inteiro, eu morava no 402, acima do quarto 302. Após algum tempo de um breve silêncio, pude ouvir o vento uivar, e as paredes estalarem, e novamente sons vindo do andar de baixo, emudeci, diminui meu ritmo respiratório, cogitei em verificar o que estava acontecendo, estava com medo demais para isso, não conseguia mexer nem um músculo se quer para me mover da minha posição atual, fiquei ali, estática, encoberta com apenas os olhos alertas de fora do cobertor, espreitando a noite, até que o sol punha-se a se levantar no horizonte, e os primeiros ruídos matinais de uma segunda feira brotavam, e em fim pude adormecer. 

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Sobre nós.

Já faz tanto tempo
Mas ainda me lembro
Daquele beijo lento
Antes de dezembro
O tempo passou
Meu coração
Desacelerou
Mas não esqueci
O amor que um dia senti
Que me procura até hoje
A lembrança
Que traz a esperança
E a saudade
Já não é mais vaidade
Onde está você
Minha alegria de viver?

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Continuação 2 - Sem filtragem.

Após um período cabisbaixa, a multidão já havia se dissipado, então recobrei meu ar, olhei para o céu, o sol parecia tímido e doente, pouco se mostrava estre as densas nuvens negras, e brilhava em branco pálido e opaco. Era inverno, e todas as folhas, caducifólias, bailavam no vento e saíam por aí, sem rumo, ou pretensões, apenas queriam algo a alcançar, seja o que fosse, era algo realmente invejável, a liberdade que a natureza possui.
Decidi então ir para casa, me sentia fatigada, levantei demoradamente e segui pelos caminhos do parque até uma saída que me deixasse mais próxima do meu apartamento. Fui caminhando pelas ruas vazias e inóspitas de uma capital, faltava apenas virar a rua para que estivesse próxima de meu apartamento, ouvia então um pequeno barulho de sirenes, que aumentavam quanto mais eu me aproximava de casa, e via luzes intercaladas em vermelho refletirem pela rua a atingir as vidraças de uma loja de chocolates em frente, que iluminava todo o local, virei a rua, era um comboio de resgate dos bombeiros, e todos os moradores do edifício na calçada, intrigados, haviam sido obrigados a deixar seus apartamentos, a surpresa viria depois.
Via a agitação em frente ao condomínio, fui me aproximando, com passos lentos e cautelosos, estava apreensiva, não entendia o que estava ocorrendo, todos estavam distantes do prédio, ouvi dizerem que os paramédicos estavam a caminho, podia sentir um leve cheiro de gás doméstico vindo do prédio, estava desnorteada e confusa com a situação, a ambulância chegou e ficamos esperando, via dentro do prédio grande agitação, vultos corriam pela janela, barulhos de passos apressados vinham em direção à saída, então saíram da porta alguns bombeiros na frente abrindo caminho, e atrás havia dois homens segurando um corpo, estava sereno, com semblante adormecido, pude o reconhecer, era o homem do apartamento 302, pouco se via ele, não saía de casa, nunca fizera o menor ruído, não fazia ideia do que ocorrera.
Fui chegando mais próxima da ambulância, e pude prestar atenção na conversa: –Nós encontramos remédios para dormir, a válvula do gás de cozinha estava aberta, e todas as janelas fechadas, quando chegamos, ele já estava apagado, disse o bombeiro para o clínico, o clínico estava com olhos tristes, e olhava para o corpo enquanto media o seu pulso, respirou fundo, suspirou e disse –Está sem pulso, acredito que tenha cometido suicídio ontem, olhei então para aquele corpo sem vida, estirado sereno em minha frente, me senti nocauteada como se tivesse recebido uma pancada na cabeça, por instantes, era como se eu pudesse sentir a dor dele, pronto, foi isso, abalou meu mundo por completo, ele havia tirado a sua própria vida.


Depois de ouvir isso, me recolhi para um canto escuro da rua para me esconder, estava sem forças, não conseguia pensar em nada, nem em acender um cigarro, ou qualquer coisa, apenas me encostei na parede e lá fiquei, encarando o nada por um longo tempo, até que fosse permitido entrar no edifício. No edifício ouvi a síndica falar com um homem da polícia –Ele tem um irmão em algum lugar, acho que deveríamos notifica-lo, me senti um pouco aliviada por saber que teria alguém para se lembrar dele por algo que não fosse o seu ultimo ato. Subi para o quarto, e me joguei na cama, as badaladas da catedral marcavam 12 horas, adormeci. 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Continuação, sem filtragem.

Agora com o cigarro aceso, caminhava para o parque, gostava de ficar com o mesmo por um tempo parado na boca sem tragar, então o tragava forte, e com a mão esquerda o tirava da boca, o que me era estranho, tendo em vista que eu sou destra, o levava até a altura da cintura e batia as cinzas suavemente, e mantinha a fumaça em minha e boca brincando com ela, até que a expelia lentamente, eu a gostava de ver subir e desaparecer, e fui assim, tragando até chegar no parque. O parque não era nenhuma maravilha, ficava em frente à catedral, possuía alguns bancos com tinta desgastada, uma fonte no centro, alguns brinquedos na areia para crianças, e tinha boa parte coberta por uma grama sempre bem aparada, possuía também algumas árvores com folhas dissipadas em seus galhos, já que a maioria se encontrava no chão, pois a chuva as levara para lá, fui caminhando pelo parque através de folhas e gramas molhadas e restos de industrializados até um banco que me dava visão completa da catedral, sentei nesse banco onde eu podia observar de longe a missa, e acendi um cigarro, usando o fósforo na mão esquerda também, me sentia uma a anticristo, vilã dos bons costumes, impondo meus valores imorais e imundos em frente a uma catedral.
 Comecei a fitar a igreja, e de minha distância eu podia ver as pessoas seguindo em filas para receberem a hóstia e a benção, como porcos caminhando para o abatedouro, me sentia péssima com toda aquela situação, me sentia péssima por eles, eu não me aclamava ateia, me via como agnóstica, eu não podia provar nada, mas não acreditava em nenhuma divindade, achava maior bobagem alguém acreditar em um deus que permitia que o mundo fosse como é, com guerras, ódio, caos, simplesmente não fazia o menor sentido para mim, religião deveria ser algo que fosse para pacificar e unir o mundo, não para o destruir, sempre houveram guerras sem sentido, pelo simples fato de certo povo não acreditar nos mesmos dogmas de outro , simplesmente não me fazia sentido, era como um caroço, que me sufocava, e eu não conseguia engolir.

O vento soprava forte, e maltratava meu cigarro, que queimava com ímpeto, ouvi as badaladas do sinos, a missa havia terminado, as pessoas saiam aos montes, e algumas caminhavam em minha direção, com seus filhos, família, amigos, e passavam por mim, alguns me olhavam de canto de olho, apenas para me pré-julgarem, eu não dava bola, e algumas crianças passavam por mim dando gargalhadas, naquele momento eu me senti muito sozinha, as crianças riam, e os adultos conversavam entre si, e eu me sentia estranha, algo faltava em mim, eu era diferente deles, por que eu não poderia ser feliz como eles? Por que não conseguia rir com eles? Sentia uma súbita vontade de chorar, minha visão estava agora encoberta de um fluido salgado, que desejava escorrer pelo meu rosto, e eu pensei para ele –Fique aí, não deixarei que ninguém o veja, então comecei a fitar meus calçados, para que não notassem meus olhos.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Refinamento 1 - Adição 1

Era por volta das 2 da manhã, havia perdido a noção de tempo há muito, eu espreitava desnorteada pela janela observando as luzes nos apartamentos, e refletia sobre a vida quem habitava a aquela distância, instintivamente já estava acendendo mais um cigarro, porém antes de o colocar na boca, relutei, e jurei que seria o último, já havia fumado outros 19, por você, agora eu tragaria o último, pelo fim, também por relutância, foi o mais demorado, a noite estava fria, e o sereno corria pelo céu, e se juntava aos resquícios de lágrimas secas em meu semblante, fingi não me incomodar com aquilo que me causava certo desconforto na face, me sentia nauseada, e com forte enxaqueca, possivelmente devido as tristezas que se projetavam no mais profundo de meu ser durante as horas anteriores, quando me ocorrera a metamorfose, e que ainda refletiam em minha alma.

Não queria dormir, pois sabia que nunca mais seria a mesma, o que eu era ficou para trás, em um passado agora distante, como se nunca tivesse existido tal ser que um dia fôra eu. Encontrava-me perdida, sentada à cabeceira da cama, agora cabisbaixa, as luzes da cidade pareciam cada vez mais distantes, e turvas, todos já dormiam, exceto os malditos e os miseráveis, estava agora exausta, minha visão além de turva, cambaleava, o sofrimento havia vencido meus limites humanos, e assim mesmo, derrotada pelo cansaço adormeci, como quem já não havia mais vida, dormi mal naquela noite, calafrios percorriam meu corpo, e espasmos me sacudiam a todo tempo.

Acordei ao som das badaladas da catedral, era domingo, dia de missa, fui novamente para a janela ver as crianças irem contra vontade em suas roupas engomadas, eu não era muito diferente delas, era o que queriam que eu fosse, vestindo uma máscara, e fazendo meu reles papel na sociedade, de acordo com o que decidiam. Algo me incomodava, sentia um buraco em meu torso, e sabia que não se tratava de fome, então decidi preparar chá, não tinha apetite apesar de não me recordar quando havia sido minha última refeição. Com o chá pronto, voltei a janela, agora chovia, e observava as pessoas tentarem se esconder da chuva correndo para as marquises, me esquivava de beber o chá, agora já frio o deixei de lado, senti vontade de fumar e me recordei que havia fumado todos os meus maços noite passada, cogitei ir a rua comprar cigarros, porém não possuía disposição alguma para ir ao mercado, e encarar as pessoas, então me deitei novamente olhando para o teto.

Após um breve período fitando o teto, e tentando desvencilhar minha mente de traiçoeiros pensamentos, pude notar que chuva havia diminuído seu ritmo, agora já não agredia as janelas, suspirei profundamente e decidi ir à uma lanchonete próxima, fiz então um esforço enorme e um prolongado movimento para me levantar da cama, via meu reflexo no espelho, manchas negras sombreavam meus olhos fundos, vesti uma peça de roupa que pudesse me manter aquecida, recolhi as chaves e as coloquei no bolso, calcei botas, e tomei o elevador. No elevador estava sozinha, suspirei e de súbito fechei meus olhos por alguns instantes, com meus olhos agora abertos novamente, podia ver a imagem de uma pequena garota, com olhos curiosos que fitavam o chão, enquanto mordia os lábios, ela parecia um tanto quanto nervosa, após alguns instantes fitando o chão, ela me disse, sem levantar a cabeça -- Do que você tem medo? - Surpresa eu não a soube responder. -- Você tinha em si todos os sonhos do mundo, então por que os escondeu?, continuou ela. -- Por que usa essa máscara?, após essas palavras, me senti desnorteada, minha visão ficou turva, e me desequilibrei, fiquei apoiada nas paredes do elevador por um tempo, até me recompor, quando pude me recuperar, a garotinha já não estava mais lá, eu ainda não compreendera o que ocorrera há pouco , o que me deixou pensativa, quem seria aquela garota? Por que havida dito aquilo? Minha mente estava turbulenta, e meu coração estava disparado, me vi espelho, eu estava pálida, sentia minha boca seca, e uma gota de suor escorria por minha testa, estava apavorada, saí do elevador ainda cambaleando e tomei rumo a rua.

Na rua, eu me sentia um fantasma, todos passavam por mim e não me notavam, todos pareciam ocupados demais correndo de um lado para o outro sem ir à lugar nenhum, com suas vidas e rotinas corridas e estressantes, eu estava totalmente imersa em meus pensamentos que mal pude notar o quarteirões que se passavam, marcados de humanizações cinzas e sujas,  e assim cheguei em meu destino, uma lanchonete antiga, com uma simpática faixada vermelha, agora já gasta e corroída pelo tempo, não era muito frequentada, e por isso o ambiente me agradava, me sentei próxima do balcão, e o atendente veio ao meu encontro, era um rapaz de boa aparência, que sempre me atendia com um sorriso tímido no canto de sua boca e olhos cortês, ele me perguntou se eu queria o mesmo de sempre, mas como eu não possuía muitas energias, apenas acenei positivamente com o cabeça, por algum motivo, eu tinha a boca emudecida, meus pensamentos me cercavam e me sufocavam, me mantinham calada e cabisbaixa, sentia meus corpo pesado, tudo girava novamente, as cores e nuances de vermelho e outras cores começaram a se fundir em minha mente, tudo se embaralhava, quando repentinamente escutei -- Aqui está seu pedido! Você está bem? Parece um pouco pálida, recobrei minha consciência e agradeci, ele se virou de costas com olhos opacos, como se tivesse presenciado um evento muito estranho, então comecei a fitar meu café e sanduíche, resolvi me alimentar. Bebi o café por inteiro, estava quente e amargo, como eu gostava, desceu minha garganta e me aqueceu por inteira, mas deixei uma fatia do sanduíche intacto, não estava com muito apetite, fui então ao balcão para acertar, cheguei lá e a atendente não pareceu me notar, estava lendo um desses livros comerciais clichês feitos apenas para ganhar dinheiro, eu tinha uma enorme repugnância por esses livros que não eram escritos com sangue,  e isso me deixou um pouco irritada, então forcei uma tosse, para que ela me notasse, ela fez um "oh" assim que me viu, era sempre assim, ela sempre desatenta em seu mundo falso, e eu precisava chamar sua atenção, me sentia humilhada por isso, eu a franzi o cenho, paguei, e fui embora, sem abrir a boca, estava irritada.
Saindo da lanchonete, cruzei a rua, precisava tomar um caminho diferente, tinha de ir no mercado comprar cigarros e frutas, em meu rumo havia uma rua paralela, onde tinha um viaduto, em baixo desse viaduto havia um homem deitado, ele tinha olhos inexpressivos e desesperançosos fixos em algum ponto distante, seu rosto era fortemente marcado pelas mazelas de sua vida, aquilo me chateou muito, pois eu sabia que ele não era o único, pelo mundo todo haviam pessoas que se escondiam delas mesmas, possuíam vergonha do que eram, escondiam-se do mundo, do sol, e dos outros, não viviam a vida para que se fosse vivida, viviam à espera do fim, para que logo a vida os fosse tomada, pois para eles não havia sentido, a vida não valia a pena ser vivida, aliás, o que era viver a vida? Isso eu não sabia, acho que nunca saberia, sempre me perguntava sobre as coisas da vida, e nunca chegara a nenhuma conclusão. Nesse momento me sentei em uma parada de ônibus, e me lembrei de quando perguntei ao meu pai qual era o sentido da vida, e ele me respondeu que era ser feliz, ao menos era o que todos almejavam, desde então nunca mais o perguntei nada, o achei tolo por acreditar em tal futilidade, cheguei então a conclusão que todos estávamos à deriva da vida, com perspectivas falsas, senti uma grande necessidade de mais um cigarro, então segui meu caminho pela rua, que me parecia torta, e suja.
A mercearia se aproximava, já via na porta o senhor proprietário, era um homem de idade avançada, com problemas auditivos, que tinha uma cara fechada para todos, certamente odiava o que fazia, só o fazia por necessidade de dinheiro, ele se sentava na porta, em um cadeira de balanço escutando o rádio que era possível se escutar a quarteirões de distância, que noticiava sobre a guerra, e ele apenas acenava com a cabeça como se concordasse com o que era noticiado, enquanto fumava seu cachimbo fedorento , observava a chuva cair, e as pessoas passarem. Perdida em meus pensamentos novamente me desvencilhei do mundo real, e quando me dei conta havia pisado numa poça imunda, e notei que o velho me observava com seus olhos que pareciam esperar por isso há muito tempo, sentia seus olhos rirem de mim, enquanto sua boca continuava decrépita. Fui me aproximando mais e mais da mercearia, e ele me acompanhava com os olhos, e se certificou que eu iria sacudir minhas botas antes de entrar, entrei e ele não disse nada, fui direto para a fruteira, havia pouca variedade, a guerra estava atrapalhando a produção de alimentos por todo o país. Eu não concordava com a guerra, sempre acreditei que cada um deveria fazer o que bem entende sem incomodar o outro, acho também muita tolice tirar a vida de milhares por apenas pensarem de maneira diferente da sua, era algo que realmente me deixava chateada, pensar em tirar a vida de alguém que um dia poderia ser uma pessoa importante para o mundo me deixava realmente magoada, terminei de escolher as poucas frutas que estava em boas condições, e rumei para o caixa, a atendente era a mulher do velho, ela era um pouco mais bem cuidada do que ele, e tinha um semblante agradável, sentia nela uma forte aura materna, algo que me deixava confortável próxima dela, retruquei o sorriso então, -- São 6 dólares no total; disse ela, eu acenei com a cabeça e entreguei o dinheiro, peguei minhas compras e saí pela porta, e pude olhar pelos ombros que ela ainda se mantinha sorrindo para mim, com seus olhos quase cerrados, foi algo que me aqueceu o peito de alguma maneira. 

Novamente na rua, com suas pichações e imundices, via a chuva carregar nela sujeiras de meses, na cidade era assim, tudo se corrompia, até mesmo a chuva, que ao descer das nuvens já era contaminada por detritos que humanos produzem, e ao chegar ao seu destino, era violentamente rebatida por concretos cinzentos, as árvores não possuíam espaço para crescer, a natureza não se proliferava, era completamente rebatida pela humanidade, com esses pensamentos, decidi passar por um parque que havia não muito longe de onde eu estava, parques são assim, uma maneira que os homens encontraram de sentirem menos culpados por corromperem a natureza. Eu gostava da natureza, fazia com que eu me sentisse conectada com o todo o mundo, com o passado, o presente, e o futuro, com toda vida que já passou, e passará por nosso planeta, era agradável estar em meio à natureza, sentia que voltara de onde eu vim.


Me escondi em baixo de uma marquise, para acender um cigarro, mas o vento forte trazia com ele folhas, ar gelado, e gotículas, que maltratavam meu fogo. Acendi o cigarro, e dei uma longa tragada, sentia o sabor adocicado descer por minha traqueia e passear por meus pulmões, então expeli uma densa fumaça, que bailou no ar e sumiu junto à paisagem cinza. 

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Rabisco

Era por volta das 2 da manhã, havia perdido a noção de tempo há muito, eu espreitava desnorteada pela janela observando as luzes nos apartamentos, e refletia sobre a vida quem habitava a aquela distância, instintivamente já estava acendendo mais um cigarro, porém antes de o colocar na boca, relutei, e jurei que seria o último, já havia fumado outros 19, por você, agora eu tragaria o último, pelo fim, também por relutância, foi o mais demorado, a noite estava fria, e o sereno corria pelo céu, e se juntava aos resquícios de lágrimas secas em meu semblante, fingi não me incomodar com aquilo que me causava certo desconforto na face, me sentia nauseada, e com forte enxaqueca, possivelmente devido as tristezas que se projetavam no mais profundo de meu ser durante as horas anteriores, quando me ocorrera a metamorfose, e que ainda refletiam em minha alma. Não queria dormir, pois sabia que nunca mais seria a mesma, o que eu era ficou para trás, em um passado agora distante, como se nunca tivesse existido tal ser que um dia fôra eu. Encontrava-me perdida, sentada à cabeceira da cama, agora cabisbaixa, as luzes da cidade pareciam cada vez mais distantes, e turvas, todos já dormiam, exceto os malditos e os miseráveis, estava agora exausta, minha visão além de turva, cambaleava, o sofrimento havia vencido meus limites humanos, e assim mesmo, derrotada pelo cansaço adormeci, como quem já não havia mais vida, dormi mal naquela noite, calafrios percorriam meu corpo, e espasmos me sacudiam a todo tempo. Acordei ao som das badaladas da catedral, era domingo, dia de missa, fui novamente para a janela ver as crianças irem contra vontade em suas roupas engomadas, eu não era muito diferente delas, era o que queriam que eu fosse, vestindo uma máscara, e fazendo meu reles papel na sociedade, de acordo com o que decidiam. Algo me incomodava, sentia um buraco em meu torso, e sabia que não se tratava de fome, então decidi preparar chá, não tinha apetite apesar de não me recordar quando havia sido minha última refeição. Com o chá pronto, voltei a janela, agora chovia, e observava as pessoas tentarem se esconder da chuva correndo para as marquises, me esquivava de beber o chá, agora já frio o deixei de lado, senti vontade de fumar e me recordei que havia fumado todos os meus maços noite passada, cogitei ir a rua comprar cigarros, porém não possuía disposição alguma para ir ao mercado, e encarar as pessoas, então me deitei novamente olhando para o teto.
Após um breve período fitando o teto, e tentando desvencilhar minha mente de traiçoeiros pensamentos , pude notar que chuva havia diminuído seu ritmo, agora já não agredia as janelas, suspirei profundamente e decidi ir à uma lanchonete próxima, fiz então um esforço enorme e um prolongado movimento para me levantar da cama, via meu reflexo no espelho, manchas negras sombreavam meus olhos fundos, vesti uma peça de roupa que pudesse me manter aquecida, recolhi as chaves e as coloquei no bolso, calcei sandálias, e tomei o elevador. No elevador estava sozinha, suspirei e de súbito fechei meus olhos por alguns instantes, com meus olhos agora abertos novamente, podia ver uma pequena garota, de olhos curiosos que fitava o chão enquanto mordia os lábios, ela parecia um tanto quanto nervosa, após alguns segundos fitando o chão, ela me disse -- Do que você tem medo? - Surpresa eu não a soube responder. -- Você tinha em si todos os sonhos do mundo, então por que os escondeu?, continuou ela. -- Por que usa essa máscara?, após essas palavras, me senti desnorteada, minha visão ficou turva, e me desequilibrei, fiquei apoiada nas paredes do elevador por um tempo, até me recompor, quando pude me recuperar, a garotinha já não estava mais lá, eu ainda não entendera o que ocorreu há pouco tempo atrás, o que me deixou pensativa, saí do elevador e tomei rumo a rua,. Na rua, eu me sentia um fantasma, todos passavam por mim sem me notar, todos pareciam preocupados demais correndo de um lado para o outro sem ir à lugar nenhum, eu estava totalmente imersa em meus pensamentos que mal pude notar o quarteirões que se passavam, e assim cheguei em meu destino, uma lanchonete antiga, não era muito frequentada, e por isso o ambiente me agradava, me sentei próxima do balcão, e o atendente veio ao meu encontro, era um rapaz de boa aparência, que sempre me atendia com um sorriso tímido no canto de sua boca e olhos cortês, ele me perguntou se eu queria o mesmo de sempre, mas como eu não possuía muitas energias, apenas acenei positivamente com o cabeça, por algum motivo, eu tinha a boca emudecida, meus pensamentos me cercavam e me sufocavam, me mantinham calada e cabisbaixa, sentia meus corpo pesado, tudo girava novamente, quando repentinamente escutei -- Aqui está seu pedido! Você está bem? Parece um pouco pálida, recobrei minha consciência e agradeci, ele se virou de costas com olhos opacos, então comecei a fitar meu café e sanduíche, resolvi me alimentar. Bebi o café por inteiro, mas deixei uma fatia do sanduíche intacto, fui ao balcão,  cheguei lá e a atendente não pareceu me notar, estava lendo um desses livros clichês feitos apenas para ganhar dinheiro, eu tinha uma enorme repugnância por esses livros que não eram escritos com sangue,  e isso me deixou um pouco irritada, então forcei uma tosse, para que ela me notasse, ela fez um "oh" assim que me viu, era sempre assim, e eu a franzi o cenho, paguei, e fui embora, agora irritada. Na rua novamente, tomei um caminho diferente, tinha que ir no mercado comprar cigarros e frutas.
Saindo da lanchonete, cruzei a rua, havia um homem deitado em baixo de um viaduto, ele tinha olhos inexpressivos fixos em algum ponto distante, seu rosto era fortemente marcado pelas mazelas de sua vida, aquilo me chateou muito, pois eu sabia que ele não era o único, pelo mundo todo haviam pessoas que se escondiam delas mesmas, possuíam vergonha do que eram, escondiam-se do mundo, do sol, e dos outros, não viviam a vida para que se fosse vivida, viviam à espera do fim, para que logo a vida os fosse tomada, pois para eles não havia sentido, a vida não valia a pena ser vivida, aliás, o que era viver a vida? Isso eu não sabia, acho que nunca saberia, sempre me perguntava sobre as coisas da vida, e nunca chegara a nenhuma conclusão. Nesse momento me sentei em uma parada de ônibus, e me lembrei de quando perguntei ao meu pai qual era o sentido da vida, e ele me respondeu que era ser feliz, ao menos era o que todos almejavam, desde então nunca mais o perguntei nada, o achei tolo por acreditar em tal futilidade, cheguei então a conclusão que todos estávamos à deriva da vida, com perspectivas falsas, senti uma grande necessidade de mais um cigarro, então segui meu caminho pela rua, que me parecia torta, e suja.
A mercearia se aproximava, já via na porta o senhor proprietário, era um homem de idade avançada, com problemas auditivos, que tinha uma cara fechada para todos, certamente odiava o que fazia, só o fazia por necessidade de dinheiro, ele se sentava na porta, em um cadeira de balanço escutando o rádio que era possível se escutar a quarteirões de distância, que noticiava sobre a guerra, e ele apenas acenava com a cabeça como se concordasse com o que era noticiado, enquanto fumava seu cachimbo fedorento , observava a chuva cair, e as pessoas passarem. Perdida em meus pensamentos novamente me desvencilhei do mundo real, e quando me dei conta havia pisado numa poça imunda, e notei que o velho me observava com seus olhos que pareciam esperar por isso há muito tempo, sentia seus olhos rirem de mim, enquanto sua boca continuava decrépita. Fui me aproximando mais e mais da mercearia, e ele me acompanhava com os olhos, e se certificou que eu iria sacudir minhas botas antes de entrar, entrei e ele não disse nada, fui direto para a fruteira, havia pouca variedade, a guerra estava atrapalhando a produção de alimentos por todo o país. Eu não concordava com a guerra, sempre acreditei que cada um deveria fazer o que bem entende sem incomodar o outro, acho também muita tolice tirar a vida de milhares por apenas pensarem de maneira diferente da sua, era algo que realmente me deixava chateada, pensar em tirar a vida de alguém que um dia poderia ser uma pessoa importante para o mundo me deixava realmente magoada, terminei de escolher as poucas frutas que estava em boas condições, e rumei para o caixa, a atendente era a mulher do velho, ela era um pouco mais bem cuidada do que ele, e tinha um semblante agradável, sentia nela uma forte aura materna, algo que me deixava confortável próxima dela, retruquei o sorriso então, -- São 6 dólares no total; disse ela, eu acenei com a cabeça e entreguei o dinheiro, peguei minhas compras e saí pela porta, e pude olhar pelos ombros que ela ainda se mantinha sorrindo para mim, com seus olhos quase cerrados, foi algo que me aqueceu o peito de alguma maneira.